Uma espécie de jogo

Jul 30, 2024Por Tiago Gomes
Tiago Gomes

Recebi mais feedbacks acerca do primeiro post que fiz aqui do que estava à espera, mas para a vossa infelicidade, ou não, nem todos os posts serão tão introspetivos quanto aquele. Posto isto, vou passar diretamente ao assunto que tem sobrevoado o meu pensamento nos últimos dias: a vida tem semelhanças enormes com os videojogos!

Como qualquer criança que tenha crescido no final dos anos 90 ou início dos anos 2000, os videojogos fizeram parte das minhas atividades favoritas durante as mais tenras fases do meu desenvolvimento. Numa época em que os jogos +18 eram, na verdade, jogados por crianças de toda as idades, é natural que questões sobre a influência que esses jogos possam ter tido no desenvolvimento de todos nós sejam levantadas, mas como em muita coisa que envolve a ciência e o seu estudo, o isolar de variáveis torna-se praticamente impossível e a correlação/causalidade acaba por ser difícil ou mesmo impossível de traçar: será que uma criança se torna num adulto violento porque jogava determinado jogo ou será que a criança procurava aquele tipo de jogos por já indicar um gosto particular sobre conteúdo violento? Enfim, vou deixar esta luta para os psicólogos e afins e focar-me nas minhas. 

Dado o contexto, tenho-me apercebido que em muita coisa acabo por criar correlações que, propositadas ou não, acabam por acontecer nas nossas vidas. A primeira, e talvez a mais impactante de todas é: para duplicarmos o nosso nível de desempenho em determinada tarefa não temos apenas de duplicar a quantidade de trabalho (input) que fazemos, mas sim fazer 5, 10, às vezes até 20x mais do que fizemos para atingir determinado patamar. Imaginem um cenário muito claro: se eu estudei 2000 horas para saber tanto quanto quanto sei hoje, para duplicar o meu conhecimento teria que estudar mais de 10000 horas. O mesmo acontece nos jogos, em que inicialmente até passamos de nível sem querer, quase inconscientemente, mas à medida que os níveis vão crescendo vão, também, crescendo as dificuldades e o esforço tem de ser bem melhor dirigido.

E este é o segundo ponto ao qual cheguei: a partir de certo momento, o esforço tem de ser dirigido com algum sentido de lógica se queremos evoluir. Isso não invalida que não estejamos errados na direção que damos ao nosso esforço e que não tenhamos de voltar atrás e refazer tudo de novo, com a nova bagagem que esse erro nos permitiu acumular. Quem é que nunca chegou a um nível num jogo em que andou a "marrar com a cabeça na parede" e depois apercebeu-se que a solução correta para o problema era algo bem mais simples e prático do que estava a pensar? Esta é daquelas coisas que tento sempre trazer para a minha vida: se quero chegar a um determinado sítio, quais são as coisas que posso fazer para aproximar-me de onde quero chegar? Um bom exemplo aconteceu quando decidi que ia seguir uma carreira no mundo das Ciências do Desporto: como poderia não ser "só mais um"? Foi aí que decidi tirar o curso de treinador de voleibol e começar a estagiar ainda no primeiro ano da faculdade. Com isso, tive uma vantagem em relação aos outros quando acabei o curso, vantagem essa valiosa num mercado de trabalho tão saturado. Comecei como estagiário a receber um total de 0€ por mês, até que um dia ganhei a coragem de dizer que acreditava que o valor que já acrescentava ao clube era bem maior do que a quantia que recebia, e deram-me razão: passei a receber 20€ por mês! E que contente fiquei naquela altura, já dava para jantar fora duas vezes ou ir uma vez a um sítio muito bom (inflação é real). Vi muita gente a fazer part-times durante o tempo de faculdade, outros até antes da faculdade (ou mesmo até depois de acabarem), e eu sempre respeitei isso - a procura da independência, independência essa que só existe quando temos a capacidade de adquirir propriedades privadas (aka comprar coisas sem "depender de ninguém") - mas sempre me questionei: se não vês a restauração, ou a gestão de um espaço desse género no teu futuro, porque é que escolheste um part time a servir à mesa num café? Porque não um pequeno estágio ou algo semelhante dentro da tua área? Acredito ainda que mais vale aprender a surfar a onda do que tentar remar contra ela, até porque se vens de um meio social menos favorecido tu não tens um remo, tens uma colher de pau... e nem são bem ondas normais, são mais tsunamis. 

Outra coisa que percebi, e que acaba por ser bastante semelhante é o seguinte: as regras do jogo já estão estabelicidas, e por muito que fique contente por haver quem lute ativamente e dedique a sua vida a melhorar as regras do jogo, eu prefiro ir jogando com as cartas que já tenho na mão... Se não houver solução, e mesmo assim não me identificar com o jogo, troco de jogo. Este é o meu ponto: a inércia à mudança é gigantesca, mas vai acontecendo aos poucos. Para mudar o comportamento de uma sociedade não podemos pensar a curto prazo, tem de ser a médio e a longo prazo! E a mudança vai acontecendo, gradualmente... Eu sei que não vou conseguir ter um país em que toda a gente treina num espaço de 10 ou 20 anos, até porque eu não seria capaz de ajudar eficazmente toda a gente. O meu objetivo é conseguir tirar 10, 20 ou 30 pessoas do sofá, aí o meu contributo para uma sociedade melhor já terá sido dado. Impingir à força a mudança acaba por criar mais aversão, aversão essa que pode criar uma resposta violenta de quem não quer ser mudado. Podemos tentar bater de frente, mas porque é que iria entrar numa batalha que está perdida antes mesmo de começar?


Por aí continua, não fosse já tão tarde e eu continuaria esta lista.

O Elon Musk acredita que a probabilidade de vivermos numa simulação é francamente alta. Será que existem tantas semelhanças entre simulações e a nossa realidade porque, na verdade, vivemos numa realidade simulada?